Jovens Mura usam inteligência artificial para proteger a floresta na Aldeia Gavião Real (AM)

Iniciativa do IPDA promove formação inédita que une tecnologia, saber tradicional e defesa do território no coração da Amazônia

Na Aldeia Gavião Real, no município de Itapiranga (AM), um grupo de jovens indígenas do povo Mura está protagonizando uma experiência inovadora que une ancestralidade e tecnologia de ponta: o uso da inteligência artificial (IA) para a proteção e gestão de seu território tradicional.

A iniciativa é parte do curso “IA para a Gestão Territorial e Defesa dos Territórios da Floresta”, promovido pelo Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Amazônico (IPDA). Com duração de quatro semanas, o curso vem capacitando jovens da comunidade para usar ferramentas como mapas digitais, sistemas de alerta ambiental e modelos de previsão de desmatamento, tudo isso integrado ao conhecimento tradicional dos Mura sobre seu território.

“Estamos aprendendo a usar o computador e o celular não só para navegar na internet, mas para vigiar a nossa floresta e defender nosso povo”, explica Raiane Mura, de 18 anos, uma das participantes do curso. “Com os mapas e os dados, conseguimos mostrar para fora o que a gente já sabia com o coração: que a floresta está viva, e é nossa casa.”

Durante o curso, os jovens aprenderam a interpretar imagens de satélite, operar ferramentas como o QGIS e o Google Earth Engine, e desenvolver pequenos projetos de monitoramento comunitário. Além disso, construíram seus próprios mapas participativos, com trilhas, locais sagrados e pontos de ameaça, como áreas de pressão por grilagem ou entrada de madeireiras ilegais.

O coordenador de Tecnologias do IPDA, Daniel Reis, destaca que o projeto vai além da formação técnica. “Trata-se de um processo político-pedagógico. Estamos apoiando os jovens Mura a ocuparem os espaços da tecnologia com sua própria voz, sua visão de mundo. É tecnologia a serviço da vida, da floresta e da autonomia dos povos.”

A iniciativa também trouxe momentos de troca entre gerações. Durante uma das oficinas, anciãos da aldeia compartilharam histórias sobre as mudanças no território nas últimas décadas, enquanto os jovens mostraram em tempo real, no celular, imagens que comprovavam o avanço do desmatamento nas redondezas da aldeia. “Agora nosso grito tem imagem e coordenada geográfica. E isso pesa quando a gente denuncia”, disse com firmeza o cacique Jonas Mura.

O curso, que encerra com uma feira de apresentação dos projetos desenvolvidos, já inspirou outras comunidades Mura a buscarem formações semelhantes. “Queremos que cada aldeia tenha seus jovens cientistas da floresta. Gente que sabe do satélite e da onça-pintada, do algoritmo e do cipó”, completa Sila.

Para os participantes, o sentimento é de empoderamento e pertencimento. “A tecnologia não precisa vir para substituir nosso jeito de viver, mas pode vir para fortalecer a luta por nossos direitos”, conclui Raiane, com brilho nos olhos e celular na mão, exibindo um mapa onde cada ponto carrega uma história.